O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia está sendo negociado a "portas fechadas" pela Comissão Europeia e pode ser anunciado na próxima sexta-feira (6) durante a Cúpula do Mercosul em Montevidéu, capital do Uruguai. Atualmente presidido por Ursula Von der Leyen, a comissão negocia em nome dos países europeus há mais de duas décadas e chega à capital uruguaia para o encontro da sexta.
"Nada feito até que esteja feito' está se tornando a frase mais frequentemente pronunciada nos corredores de Bruxelas", disse ao Brasil de Fato o economista francês e integrante da organização ambientalista Attac , Maxime Combes.
Ele ressalta que não há transparência nas negociações por parte da União Europeia, uma vez que os membros do Parlamento Europeu, que normalmente têm o aos documentos da negociação, "não sabem nada sobre o andamento das tratativas" após duas reuniões com a Comissão Europeia. "Tudo está ocorrendo a portas fechadas, e ninguém sabe com o que a comissão concordou para que os países do Mercosul digam que estão prontos para o acordo."
Os presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, membros fundadores do Mercosul que buscam um acordo com a UE, darão uma coletiva de imprensa conjunta com Von der Leyen na sexta-feira, às 9h30. “Nós aterrissamos na América Latina. O objetivo do acordo UE-Mercosul já está à vista. Vamos trabalhar, vamos cruzar a linha de chegada. Temos a oportunidade de criar um mercado de 700 milhões de pessoas”, escreveu Von der Leyen, que fez uma parada em São Paulo a caminho da capital uruguaia, no X.
Nesta quinta-feira (5), os ministros das Relações Exteriores dos países do Mercosul abriram formalmente a cúpula de dois dias do bloco, depois que o ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Omar Pagani, realizou uma reunião bilateral com o novo comissário europeu para o comércio, Maros Sefcovic.
Da perspectiva da UE, Alemanha e Espanha pressionam para concluir o pacto com o Mercosul até o final do ano. Do lado de cá, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, também busca fechar o acordo a todo custo. Lula queria anunciar o acordo no encontro do G20 no Rio de Janeiro (RJ), expectativa frustrada pela negativa do presidente francês Emmanuel Macron, que tem liderado a posição contrária ao acordo no bloco europeu.
Pouco antes da chegada de Von der Leyen a Montevidéu, o presidente francês, Emmanuel Macron, reiterou a ela que o projeto de acordo comercial é “inaceitável em seu estado atual”. “Continuaremos a defender incansavelmente nossa soberania agrícola”, acrescentou a presidência sa em uma mensagem no X.
As negociações, paralisadas depois que um acordo de princípio foi alcançado em 2019, foram retomadas nos últimos meses a pedido da Comissão Europeia, que determina a política comercial para toda a UE. O texto prevê a eliminação de grande parte das tarifas entre as duas zonas, que têm mais de 700 milhões de consumidores e um PIB combinado de US$ 21,3 trilhões (cerca de R$ 130 trilhões).
Os sindicatos agrícolas da UE o rejeitam porque sua produção não está sujeita às mesmas exigências ambientais e sociais, nem aos mesmos padrões sanitários, que a do bloco sul-americano.
"Vários países da Europa são contra o acordo, não apenas a França. E há mobilizações de agricultores em andamento em vários países também. O que podemos ouvir é que a Comissão Europeia não está recebendo pressão suficiente dos Estados membros que criticam o acordo, incluindo a França, para abandonar sua decisão de anunciá-lo como concluído na cúpula do Mercosul", afirma Combes.
Caso o acordo seja anunciado como concluído na sexta-feira (6), o economista aponta que Macron teria "claramente uma grande responsabilidade por sua recusa em travar uma batalha em Bruxelas."
O Parlamento francês rejeitou ao final de novembro, por 484 votos a 70, o acordo de livre comércio negociado entre a União Europeia e os países do Mercosul, após uma votação na Assembleia Nacional. A votação não vinculativa ocorreu uma semana após o início de uma campanha de agricultores contrários a esse acordo comercial, para o qual apenas a Comissão Europeia está autorizada a negociar em nome dos 27 Estados-Membros.
Toda a classe política sa, da esquerda radical à extrema direita, manifestou a sua oposição ao acordo.
Os países europeus favoráveis ao acordo pressionam para concluir essas negociações prolongadas, alguns meses antes da posse do republicano Donald Trump e a possibilidade de um aumento geral nas tarifas alfandegárias. A Europa espera exportar carros, máquinas e medicamentos para o bloco do sul, que faz parte de uma região fortemente influenciada pela China, enquanto o Mercosul espera vender mais gêneros alimentícios, como soja, carne e mel, para a Europa.
ONGs europeias e ativistas de esquerda acreditam que esse projeto aceleraria o desmatamento da Amazônia e agravaria a crise climática ao aumentar as emissões de gases de efeito estufa. O Greenpeace denuncia um texto “desastroso” para o meio ambiente.
Oposição no Brasil
Em março, movimentos articulados na Via Campesina Brasil repudiaram o acordo em um comunicado em que pedem a Lula que "escute o clamor dos povos do campo, águas e florestas e coloque fim às negociações em curso e dê espaço a construção de um projeto popular de desenvolvimento nacional para o Brasil".
"O acordo em pauta representa um retrocesso para o Brasil e para os países do Mercosul no âmbito do desenvolvimento socioeconômico, bem como um ataque frontal à soberania dos nossos países", destaca o comunicado. Os movimentos populares destacam que o acordo foi "foi rechaçado há mais de 20 anos" e o texto atual, retomado em 2019, representa "o DNA bolsonarista na sua essência sem nenhum compromisso com o desenvolvimento do nosso país."
"O acordo assume caraterísticas neocoloniais na sua concepção e ameaça, em seus termos, nossos povos e territórios, ameaça a agricultura camponesa, as comunidades tradicionais e entrega nossos bens comuns aos interesses do capital internacional, consolidando assim o caráter agroexportador da nossa economia, que é basicamente continuar exportando matéria-prima para abastecer as demandas dos países europeus em troca dos produtos industrializados."
A desregulamentação dos mercados, os acordos de livre comércio e, em particular, a negociação do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul são as principais causas da grave crise enfrentada pelos agricultores europeus na avaliação da Via Campesina.
*Com AFP