A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) solicitou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o veto integral ao Projeto de Lei (PL) nº 5.636/2019, que institui o “Dia da Celebração da Amizade Brasil-Israel” em 12 de abril. A ABJD argumenta que a aprovação da lei enviaria um sinal político incompatível com a tradição diplomática brasileira, especialmente diante das denúncias de violações de direitos humanos e crimes de guerra cometidos por Israel contra o povo palestino. Aprovado pelo plenário do Senado em maio, o PL aguarda veto ou sanção presidencial até o dia 18 de junho.
O pedido de veto não é contra o povo israelense, mas sim baseado em valores éticos e humanitários, considerando as ações de Israel como limpeza étnica, apartheid e genocídio, ressalta a entidade. A ABJD conclui que a promulgação da data representaria um apoio ao governo de Benjamin Netanyahu e colocaria o Brasil contra os esforços internacionais por um cessar-fogo e soluções diplomáticas.
O genocídio palestino, em curso na Faixa de Gaza desde 7 de outubro de 2023, já registrou quase 55 mil mortes, a maioria de mulheres e crianças. Além de bombas, toda a população de mais de 2 milhões de pessoas do território enfrenta risco severo de desnutrição, porque Israel impede a entrada de comida. Já foram registradas dezenas de mortes por fome, a maioria de crianças pequenas e idosos.
O Alto Comissário da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos, Volker Türk, classificou ataques de Israel nesta terça-feira (3) de “crimes de guerra”, dois dias após uma tragédia similar no mesmo local, na qual 31 pessoas morreram e 176 ficaram feridas, segundo os serviços de emergência. Ao menos 27 palestinos foram assassinados por militares israelenses em um centro de distribuição de comida.
Leia a carta na íntegra:
Excelentíssimo Senhor Presidente,
A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), entidade composta por juristas comprometidas e comprometidos com a defesa intransigente da democracia, dos direitos humanos e com a luta por justiça social, vem respeitosamente, por meio desta, solicitar a Vossa Excelência o veto integral ao Projeto de Lei nº 5.636/2019, aprovado recentemente pelo Congresso Nacional, que institui o “Dia da Celebração da Amizade Brasil-Israel”, a ser comemorado, anualmente, no dia 12 de abril.
Não se trata, Senhor Presidente, de um juízo sobre o povo israelense ou sobre o direito de existência do Estado de Israel. Trata-se de um posicionamento ético e político diante do atual contexto internacional, marcado por flagrantes e sistemáticas violações aos direitos humanos e ao direito internacional humanitário perpetradas pelo governo israelense contra o povo palestino.
Toda a comunidade internacional tem testemunhado de maneira atônita a barbárie do massacre de milhares de civis palestinos, dentre os quais mulheres, crianças, idosos e trabalhadores da saúde.
A sanção presidencial de um projeto de lei que homenageia simbolicamente o Estado de Israel — em pleno avanço de ações que têm sido classificadas por instituições e juristas internacionais como atos de limpeza étnica, apartheid e, recentemente, como genocídio, nos termos denunciados perante a Corte Internacional de Justiça — representaria um sinal político profundamente incompatível com a tradição diplomática brasileira de respeito ao multilateralismo, à autodeterminação dos povos e à defesa da paz.
Cabe lembrar que, nos últimos meses, o Brasil, sob sua liderança, tem adotado posições firmes em foros multilaterais, como o Conselho de Segurança da ONU, exigindo cessar-fogo e o humanitário à Faixa de Gaza. Nesse mesmo sentido, amplas parcelas da sociedade civil brasileira — incluindo entidades sindicais, movimentos populares, religiosos e artistas — têm se manifestado contrariamente à manutenção de relações diplomáticas e comerciais com o atual governo israelense, demandando inclusive a revogação do Acordo de Livre Comércio e o embargo à venda de armas.
A eventual promulgação do “Dia da Celebração da Amizade Brasil-Israel” neste momento histórico, em que os olhos do mundo se voltam para o sofrimento do povo palestino, ofende o sentimento de solidariedade internacional e justiça histórica.
Mais do que um gesto simbólico, essa lei seria interpretada como um endosso político do Brasil ao atual governo de extrema direita de Israel, dirigido por Benjamin Netanyahu, cujas práticas têm sido alvo de repúdio global. Em contraste com os esforços brasileiros de construção de uma ordem internacional mais justa e pacífica, o PL 5636/2019, neste momento, se revela inoportuno, insensível e politicamente contraproducente.
Assim, a ABJD, comprometida com os princípios constitucionais da dignidade humana, da prevalência dos direitos humanos e da autodeterminação dos povos, requer a Vossa Excelência o veto integral ao PL 5636/2019, como ato de coerência com os valores humanitários e democráticos que têm norteado sua trajetória pública e o posicionamento internacional de nosso país.
A ABJD reafirma que este pedido não representa um posicionamento contra o povo israelense, mas sim contra a tentativa de, por meio de uma efeméride oficial, normalizar ou legitimar práticas reiteradas de violência estatal incompatíveis com o direito internacional dos direitos humanos e com o direito internacional humanitário.